Não é infecção,
Nem afecção.
Não...
Nem sequer moléstia,
Que vá lá com terapias ou cirurgias.
Também não...
Mas estou doente,
Só eu bem sei,
Sou eu quem sente...
Tenho cá dentro
Que como um câncer vivo que se alimenta de mim,
mina-me as raízes,
sobe-me às têmporas e me lateja uivos esdrúxulos e infelizes...
O corpo do caranguejo é todo o meu coração.
Violado,
Expugnado, profanado...
O meu pobre coração,
Nascido um dia à imagem e semelhança do coração de Deus, puro, inocente, sagrado.
As patas são os apêndices do estrangulador do resto do meu corpo.
Providas de tentáculos viscosos, agarram-se-me aos órgãos, às memórias, aos sentidos, à lucidez...
Estou doente, muito doente.
Mas tenho ainda a perfeita consciência que não me posso curar,
Então Da minha vida vou tirar,
Tudo que seja punido com um coração sofredor,
Tudo que só o tendo possa sofrer...
E enquanto eu tiver consciência disso, sei que serei capaz disso:
indo para longe do que me alimenta o parasita,
deixando de o alimentar, eu próprio,
deixando de olhar para trás, despojando-me da camada de sal que me petrifica,
descobrindo que tenho pés, meus, mãos, minhas, vontade, minha,
agarrando a vida que me resta, como se fosse toda, como se fosse breve,
sacudindo o peso da mágoa, do perdão forçado, do ressentimento,
...esquecendo apenas.
Pois ela e de facto breve..
Esquecer.
Esquecer, para aprender tudo de novo.
Esquecer...